sábado, 9 de maio de 2009

::. A mudança lingüística, sob uma perspectiva da Lingüística Funcional

Antônio Carlos Pinho | 28/11/2003

As pesquisas sobre mudança lingüística, em funcionalismo, estão estreitamente associadas à teoria da gramaticalização. A emergência do paradigma da gramaticalização, no curso da lingüística funcional americana, deu-se a partir dos anos 1970, quando houve um resgate do papel das transformações diacrônicas nas explicações da sintaxe. O texto motivador foi The origins of syntax in discourse (Sankoff e Brown, 1976).

Para a Lingüística Funcional o uso da língua nas situações reais de comunicação motiva as transformações que sofrem os elementos lingüísticos ao longo do tempo e essas transformações apresentam uma unidirecionalidade: caminham do discurso para a gramática. Com o processo de gramaticalização, os elementos perdem a liberdade típica da criatividade contextualmente motivada do discurso e tornam-se mais fixos e mais regulares.

A unidirecionalidade e a gramaticalização levam à hipótese de que há fatores de ordem cognitiva, sócio-cultural e comunicativa, que norteiam a mudança. Há transformações, segundo pressupostos da lingüística funcional, que ocorrem em todos os tempos e lugares, isto se comprova pelas evidências de que o mesmo tipo de transformação pode se processar repetidamente, enfraquecendo, segundo esta abordagem, a visão tradicional de que a mudança está relacionada apenas à sucessão temporal.

A mudança lingüística deve ser vista como um fenômeno tridimensional, ou seja, a trajetória da mudança de um elemento lingüístico é um reflexo de, pelo menos, três aspectos diferentes: tempo e, sobretudo, cognição e uso. Se o tempo é um fator necessário para que os processos de mudança se façam sentir, cognição e uso são de fundamental importância para uma teoria que vê as línguas humanas como o reflexo do comportamento, no ato concreto da comunicação. Na abordagem funcionalista, a fator tempo, embora ajude, em alguns casos, na avaliação objetiva da hipótese da unidirecionalidade, não é primordial para a compreensão da mudança lingüística. Dessa forma, a análise diacrônica é apenas uma das estratégias possíveis, no sentido de atestar as tendências pancrônicas que parecem estar mais associadas à capacidade humana de interpretar o mundo e expressa-lo a outros indivíduos. Nesta visão, a transformação da língua não é nunca uma função do tempo. Há muitos fatores diferentes que, tanto interno quanto externamente, podem determinar a sua transformação de um estado sincrônico para outro. O fator tempo apenas possibilita a interação desses vários elementos, dentro dessa perspectiva funcionalista.

As mudanças lingüísticas, pela teoria funcionalista, devem ser vistas como movimentos que se iniciam no instante que um indivíduo produz seu discurso, para um interlocutor específico, em uma situação comunicativa determinada. Se por um lado, a produção discursiva é limitada pelas restrições já consagradas na gramática da língua, por outro, constitui um processo criativo, em que o falante recria forma e estende sentidos de acordo com suas limitações cognitivas e às necessidades comunicativas impostas contextualmente.

Martelotta e Silva (1997) apresentam alguns exemplos de mudança lingüística numa perspectiva funcionalista. Inicialmente, eles tentam comprovar, por meio de uma abordagem tradicional, o processo de mudança do advérbio male, em latim, para o advérbio male em português com função de prefixo, que deu origem a termos como, por exemplo, maledicência. Segundo este estudo, pôde-se comprovar, em um primeiro momento, essa mudança no curso do tempo. Existem usos de “mal” advérbios com valor de prefixo no português que são provenientes de usos latinos: maledicência e malevolência que provêm, respectivamente, do latim maledicentia e malevolentia.No entanto, em casos do tipo malcriado e malfadado, a transformação temporal não é linear. Os dois últimos exemplos são diferentes, pois representam formulações portuguesas envolvendo o advérbio “mal” e não “evoluções” de vocábulos latinos que já representavam o prefixo “male”.

Diante das necessidades comunicativas, dos falantes, nos são apresentados, por Martelotta e Silva, um segundo exemplo de mudança lingüística, de orientação da Lingüística Funcional: o caso do advérbio com função de conjunção.

O advérbio “mal” diferentemente do latim, em português passou a desempenhar a função de conjunção:

Mal saí de casa, começou a chover.

Este é um efeito inesperado, pois não ocorreu no latim. Mas, ainda nesse caso, pode-se observar uma regularidade, desde que se olhe o fenômeno por outro ângulo. O português, segundo Sequeira (apud Cunha, Oliveira & Martelotta: 47) ao se ver privado de conjunções latinas, preencheu as lacunas por meio da utilização de advérbios (ou expressões adverbiais), de preposições e até de verbos, “que passaram a ligar cláusulas”. Foi comum, nesse processo, a passagem de determinados tipos de advérbios para conjunção. Além de “mal”, outros advérbios como apenas e bem, também passaram por esse processo. Veja:

Apenas sai de casa começou a chover.

É possível verificar que na língua, ao lado das mudanças atestadas pela diacronia de ordem fonológica, morfológica, sintática e semântica, também aparece a estabilidade, a qual se estabelece em todos os níveis da sua estrutura. Mas, diferentemente do fenômeno da mudança a estabilidade não tem recebido a mesma atenção por parte dos lingüistas.

Estabilidade e continuidade semântica e sintática

De acordo com Sebastião J. Votre (apud Cunha, Oliveira & Martelotta: 57) os trabalhos em lingüística ficaram tão presos à tradição histórico-comparativa e neogramática, a qual privilegia a mudança, que quase se perdeu a capacidade de examinar o que é estável, permanente e duradouro na língua.

Segundo formulação de Brugman, os fatores que produziram mudanças na fala humana cinco ou dez mil anos atrás não podem ter sido essencialmente diferentes daqueles que estão operando ou transformando as línguas “vivas”. Nesta perspectiva, Lúcia Maura Ferreira, propõe um estudo que privilegie a estabilidade semântico-sintática dos itens examinados verificando fenômenos existentes ao mesmo tempo num determinado momento do sistema lingüístico, aproximando ocorrências contemporâneas e passadas da língua portuguesa. Assim, ela pretende relacionar os itens examinados a princípios gerais, de caráter atemporal, que refletem processos contínuos, regulares e estáveis da língua em uso, os quais se atualizam a cada enunciado, há muitos anos.

Neste estudo, são abordados três trabalhos de orientação pancrônica que comparam enunciados de diferentes sincronias da língua. Nos três casos, como sugere L.M. Ferreira, visando a cooperação com o leitor e para maior inteligibilidade dos exemplos, a sincronia mais recente será examinada em primeiro lugar. A trajetória de gramaticalização enfocada examinou dados de língua em uso no português contemporâneo, no português do século XVI, no português do século XIII e no latim. Verificou-se que ao lado de indícios de mudança, foram observadas instâncias de continuidade e estabilidade.

Partiu-se de um exame da trajetória do elemento onde, no curso da sincronia acima mencionada, para se verificar seus diversos significados e usos. Pretendia-se com isso, examinar o caráter multicategorial e multifuncional do termo não somente nas várias sincronias do português, mas também no latim.

No português contemporâneo, onde tende a atualizar outros sentidos diferentes do sentido de lugar comumente usado. O termo assume valor anafórico-discursivo de espaço e (dentro do próprio texto) de tempo, chegando, em alguns contextos, a perder totalmente o sentido original de espaço físico, passando a ser utilizado como marcador discursivo, vazio de significado, funcionando como um recurso para manter a continuidade do discurso.

Analisando o corpus, selecionado por Maria Angélica Furtado da Cunha (1998) L. M. Ferreira ilustra suas ponderações a partir de alguns dos usos mais abstratos e não-canônicos do elemento onde presente no português contemporâneo. Veja:

(1) O meu forte mesmo é ampliar desenhos. Onde eu acho um desafio.


O exemplo (1) refere-se ao termo “onde” não num espaço físico, como é mais comumente usado, mas sim na função de espaço no discurso, retomando o enunciado precedente. Neste sentido, segundo L. M. Ferreira, “onde” funciona como elemento anafórico semelhante à “isto”.

(2) ...quando chegou no acampamento ... ele pegou a comida que tava tudo junto e dividiu...sendo que... cada pessoa comia de cada coisa uma... ou seja... o que eu levei... eu não comi sozinho... eu tive que dividir com todos os amigos... teve a noite onde foi escondido o grupo de cinco pessoas mais ou menos

No segundo caso, o termo não está na função nem de espaço físico, nem espaço discursivo. O termo “onde” assume a função de espaço de tempo.

(3) ... às vezes pessoas que roubam ... um saco de feijão ... um relógio ... ta na cadeia ... enquanto que outros que deu prejuízo à sociedade ... milhões e milhões ... bilhões até ... de dinheiro que foi tirado da população e ta aí à solta ... por quê? Porque tem dinheiro ... onde a justiça do Brasil só é válida para os pobres...

Aqui, “onde” aparece como conector causal, exercendo a função textual organizadora do discurso. Neste exemplo, observa-se que o termo perdeu muito de seu sentido original de espaço físico e passa a funcionar como elemento de ligação organizador das idéias.
De acordo com L. M. Ferreira, estes exemplos seriam evidências sincrônicas da trajetória da gramaticalização do elemento “onde”, a qual teria “obedecido” ao esquema “espaço > tempo > texto, desenvolvido no curso do tempo”.

No entanto, as análises revelaram que ocorrências no português contemporâneo foram constatadas em outros períodos evolutivos da língua. Assim o termo “onde” já expressava alguns dos sentidos encontrados atualmente. Este fato contraria, segundo L. M. Ferreira, a expectativa de que na análise das sincronias mais distantes seriam encontradas apenas evidências dos estágios referentes aos sentidos mais concretos.

Verificou-se, em um exemplo de um texto do século XVI, que o termo “honde”, não aparece como espaço físico (sentido mais concreto), mas sim se referindo a tudo o que foi argumentado antes. Funciona, portanto, como elemento anafórico-discursivo, com sentido de conclusão. Já em texto do século XIII, o termo surge na função de conector discursivo, com valor conclusivo, sem significado locativo. Em exemplos encontrados em gramáticas históricas e latinas observou-se que a forma ubi, que, juntamente com unde teria sido precursora do “onde” português, além do sentido canônico de lugar, era usada também com valor temporal e conclusivo.

Assim, conclui-se que, em seu percurso histórico, “onde” mantém seu sentido original, ao passo em que outros sentidos vão surgindo sem que o primeiro desapareça. Mariângela Rios de Oliveira (1998) postula que alguns sentidos seguem uma espécie de onda cíclica, realizando um exercício de emergir e submergir. A estabilidade semântico-sintática dos itens examinados, em diferentes sincronias, está relacionada a princípios gerais de caráter atemporal, que refletem processos contínuos, regulares e estáveis na mente dos falantes que os atualizam a cada instante há muitos séculos.

Nesta pesquisa, foram também analisados os verbos ver, achar, pensar e saber. Verificou-se que suas configurações sintático-semânticas no português são intimamente relacionadas às configurações correspondentes no latim. Portanto, segundo postula a autora, com base em S. J. Votre (2000), o padrão geral que emerge da análise é regular e contínuo resultando em uma gramática que resistiu a mudanças culturais, políticas e históricas. A partir dessa constatação S. J. Votre (op. cit.) propõe um princípio de “extensão imagética instantânea”, não desenvolvido no curso do tempo, segundo o qual “a faculdade metafórica da linguagem opera de modo instantâneo, no sentido de que todas as virtualidades e potencialidades de sentido de um termo se tornam disponíveis na mente das pessoas que interagem na comunidade discursiva, ancoradas no contexto situacional de cada interação”.

A análise desses exemplos, que encontram sua contrapartida em ocorrências do português contemporâneo, evidencia que basicamente as mesmas estratégias comunicativas e as mesmas referências encontradas no uso dos verbos poder e posse vêm sendo usadas por falantes há 22 séculos, o que significa que as pressões funcionais e comunicativas que motivam sua ocorrência e cristalização, são contínuas e regulares e, tudo indica, permanecem inalteradas.

No que diz respeito à mudança semântica, as evidências indicam que cada camada de sentido disponível no português contemporâneo, coexistiu com sentidos de fases precedentes e representam processos estáveis, como é o caso do verbo ver. As evidências oferecidas pelos enunciados com este verbo, segundo S. J. Votre, indicam a necessidade de enfraquecer a hipótese de unidirecionalidade concreto > abstrato como trajetória atestável diacronicamente. Na perspectiva proposta pelo autor, nada desaparece ou é inteiramente novo. Tudo está em processo de adaptação às novas situações, sendo reformulado, mas sem evidências de que um uso precede o outro no curso do tempo.

O princípio de extensão imagética instantânea, desenvolvido por S. J. Votre, não é aplicado linearmente no curso do tempo. Segundo este princípio, de correspondência metafórica, as tendências presentes em determinado momento do passado atuam no presente e continuarão atuando, da mesma forma, indefinidamente, sempre que o contexto situacional de cada interação assim o exigir.

A adoção deste princípio nos ajudaria a entender melhor a aparente onda cíclica proposta por M R Oliveira, acerca dos usos de “onde”.

A perspectiva pancrônica do estudo dos fatores lingüísticos, ao permitir a comparação entre várias sincronias da língua, dá maior visibilidade aos aspectos relacionados à continuidade e à estabilidade.
ASPECTOS DA GRAMATICALIZAÇÃO NA HISTÓRIA DAS PREPOSIÇÕES DO LATIM AO PORTUGUÊS
Rosauta Maria Galvão Fagundes Poggio
Universidade Federal da Bahia
RESUMO : Este trabalho, baseado na teoria funcionalista, apresenta um complemento ao estudo do processo de gramaticalização de algumas preposições que ocorreram nos Diálogos de São Gregório, corpus analisado na tese de Doutorado “Relações expressas por preposições no período arcaico do português em confronto com o latim”.
PALAVRAS-CHAVE: gramaticalização, funcionalismo; preposições.
ABSTRACT: This work, based in the Functionalism theory, presents a complement to the study of the grammaticalization process of some prepositions that occurred in the Diálogos de São Gregório, corpus analysed for the Doctoral Thesis, “Relações expressas por preposições no período arcaico do português em confronto com o latim”.
KEYWORDS: grammaticalization, funcionalism; preposition.
0 Introdução
Este trabalho é parte de um projeto coletivo do Programa para a História da Língua Portuguesa (PROHPOR), sob a Coordenação da Profa. Dra. Rosa Virgínia Mattos e Silva. Os corpora básicos analisados constituem-se da versão latina do século VI e da versão mais antiga em português arcaico (século XIV) dos dois primeiros livros dos Diálogos de São Gregório.
Nos dias atuais, é grande o interesse pela investigação histórica dos fatos lingüísticos. Já, em 1912, A. Meillet empregou pela primeira vez o termo gramaticalização.
Na minha tese de Doutorado, intitulada “Relações expressas por preposições no período arcaico do português em confronto com o latim” (POGGIO 1999), verifica-se que, na passagem para as línguas românicas, no processo de gramaticalização, além de se recorrer a algumas preposições existentes em latim, surgem novas formas e procura-se estudar um grupo de preposições que se mantiveram na passagem para o português e um grupo de preposições novas, gramaticalizadas no português. A partir desse estudo, levantou-se uma série de questões sobre a história das preposições do latim ao português, que, devido à escassez do tempo, deixaram de ser investigadas, a fim de serem elucidadas posteriormente. Entre essas questões, citam-se: - há preposições cujas formas desapareceram, embora seus conceitos tenham passado a ser expressos por outras preposições ou por locuções prepositivas; - há preposições cujas formas desapareceram, mas são empregadas na língua portuguesa como prefixos, embora seus conceitos tenham passado a ser expressos por preposições ou por locuções prepositivas; - há preposições cujas formas sofreram mudanças na sua passagem para o português; e, finalmente, - há casos em que duas preposições latinas uniram-se dando origem a apenas uma forma em português. Alguns desses casos serão tratados nesta comunicação, à luz da teoria funcionalista da gramaticalização.
1 Preposições cujas formas desapareceram, embora seus conceitos tenham passado a ser expressos por outras preposições ou por locuções prepositivas
As preposições do primeiro grupo, como: apud, propter, coram e usque foram estudadas em um trabalho apresentado no L Seminário do Grupo de Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo - GEL (POGGIO 2002).
Nesta comunicação, serão estudadas as preposições do segundo grupo.
2 Preposições cujas formas desapareceram, mas são empregadas na língua portuguesa como prefixos, embora seus conceitos tenham passado a ser expressos por outras preposições ou por locuções prepositivas
Nesse grupo, incluem-se as preposições latinas: a/ab, e/ex, extra, intra, juxta e ultra, documentadas nos Gregorii Magni Dialogi Libri IV, mas que desapareceram, na passagem para o português, sendo empregadas como prefixos. Resta investigar como são expressos esses conceitos nessa língua.
As preposições desse grupo estão distribuídas em três sub-grupos: - formas que já eram usadas como prefixos no latim clássico; - formas que começaram a ser usadas como prefixos no latim tardio; e – formas que se tornaram prefixos no português.
2. 1 Formas usadas como prefixos no latim clássico
Entre as formas que já eram empregadas como prefixos no latim clássico, citam-se: a/ab, e/ex e extra.
2. 1. 1 As preposições a/ab e e/ex
Segundo W. Lindsay (1937: 146), a preposição ab origina-se do indo-europeu ap (‘de’), forma abreviada de apo (grego) e a preposição ex, do indo-europeu eks, constituída de ek mais a partícula se.
De acordo com L. Rubio (1983: 177-178), embora as preposições de, ex e ab expressassem o ‘afastamento’, ex e ab acrescentam um traço peculiar a essa noção: ex denota ‘afastamento a partir do interior’ e ab, ‘a partir do exterior’ do objeto. Cícero, em seu discurso Pro Caecina, joga com as diferenças que opõem essas preposições entre si:
(1) Si qui meam familiam de meo fundo deiecerit, ex eo me loco deiecerit; si qui mihi praesto fuerit cum armatis hominibus extra meum fundum et me introire prohibuerit, non ex eo, sed ab eo loco me deiecerit...
(‘Se alguém expulsasse minha família de minha terra, me expulsaria a mim mesmo dela; se alguém se apresentasse diante de mim com homens armados, fora de minha terra e me proibisse de entrar (nela), não me expulsaria do interior, mas das proximidades desse lugar...’).
Observa-se que Cícero inicia seu discurso com o termo mais geral de (de meo fundo) e estabelece a oposição ex/ab em termos precisos e opostos ao impreciso de.
Segundo M. Said Ali (1964: 204), de é a preposição latina empregada com mais freqüência e para diversos fins. Inicialmente, de exprimia ‘afastamento de cima para baixo’, diferente de ab que significava ‘afastamento no sentido horizontal’. De começou a confundir-se com ab e essa última desapareceu. Para expressar o ‘movimento de dentro para fora’, o latim usava a preposição ex. De tornou-se equivalente a ex, e essa veio a desaparecer. Portanto, de passou a exprimir o sentido de ‘afastamento’ e de ‘procedência’.
J. P. Machado (1977: s.v. de) assinala que a preposição de é mais plena e tem a vantagem sobre ab e ex, devido ao fato de iniciar-se por consoante. Desse modo, de acabou por eliminar as duas outras preposições que com ela competiam, como se pode notar nas concorrências entre ab, ex e de, documentadas em textos do latim tardio.
Em resumo, a preposição de, em português, passou a assumir as três noções do latim representadas pelas preposições ab, ex e de e mais a idéia de posse encontrada no seu sentido de base, que se exprime pela relação de subordinação de um substantivo a outro.
Na versão latina dos Diálogos de São Gregório, há variação no uso das preposições ab, ex e de, não se percebendo aquela rigidez no emprego de cada uma delas, conforme foi apontado por L. Rubio (1983). Isso evidencia o início da mudança, quando as formas coexistem, havendo interferência entre seus campos semânticos.
No exemplo abaixo dos Diálogos de São Gregório, a preposição ex foi empregada, na sua acepção original de ‘afastamento do interior de’:
(2) [...] pro iniuria quam ingresserat recedere eum velle ex monasterio putabat (1, 24, 9-11)
(‘[...] cuidou-se ca se queria ir do moesteiro polo torto que lhi avia feito (1, 5, 9)
No exemplo dos Diálogos de São Gregório, que se segue, a preposição ab foi usada, na sua acepção original de ‘afastamento do exterior de’:
(3) [...] cum mane facto ad eundem locum fratres venerunt adque invenerunt molem tantae
magnitudinis ab eodem loco longius recessisse (1, 45, 8-10)
(‘E pois foi manhãã veeron os früdes e acharon o penedo muito alonjado daquele logar que
eles avian mester (1, 13, 14)’).
Entretanto, muitas vezes, na referida obra, empregou-se a preposição latina de, tanto para expressar o ‘afastamento do interior de’ (em lugar de ex), como para expressar o ‘afastamento do exterior de’ (em lugar de ab), conforme aparece nos exemplos abaixo:
(4) [...] antiquum hostem de obsesso homine protinus expulit (2, 104, 3)
(‘[...] e logo o enmiigo saiu do seu corpo (2, 16, 4)’)
(5) [...] annis singulis de loco suo ad cellam [...] venire consueverat (2, 99, 20-21)
(‘[...] viinha cada ano do logar en que morava ao moesteiro de San Beento (2, 13, 2)’).
Em latim clássico, a forma a/ab também está documentada como prefixo, como se observa nos vocábulos: averto, absum, abjurare, abjuratio, abstinere, abstentio, abstrahere, abstratio, entre outros. Na passagem para o português, deu-se o desaparecimento da preposição ab e sua manutenção como prefixo, como nos exemplos: abjurar, abjuração, abster, abstenção, abstrair, abstração e outros.
Também o prefixo ex está registrado em latim em inúmeras formas, como: exeo, exarmo, exaltare, excurrere, exhaurire, explodere, exquisitus, ex-abruptus, ex-officio etc. Do mesmo modo que ab, ex desapareceu como preposição e se conservou como prefixo, como se observa nos exemplos: exaltar, exaurir, explodir e outros.
No latim tardio, acentuou-se o uso de ex para a formação de compostos, como ex-consul. O português seguiu o modelo latino ex mais substantivo e/ou adjetivo para indicar ‘estado’, ‘profissão’, ‘emprego’, como nos exemplos: ex-tuberculoso, ex-catedrático, ex-presidente etc.
2. 1. 2 A preposição extra
Segundo V. Magnien (1948: 499), a preposição extra provém do ablativo feminino de exterus (extera), formada do mesmo modo que outras preposições, como: infra, intra, supra e ultra.
A preposição extra, conforme assinala E. Faria (1958: 264), possuía os seguintes empregos: - ‘fora de’ (sentido próprio): Hi sunt extra Prouinciam (Cés., B.G. 1,10,5) (‘Estes estão fora da Província’); - ‘fora de’ (sentido figurado) e daí ‘sem’, ‘exceto’: extra causam (Cíc., Caec., 94) (‘fora da causa’).
Segundo M. Bassols de Climent (1956: 244), trata-se de uma preposição empregada com acusativo, tanto com verbos de repouso como de movimento, com a acepção de ‘fora’, ‘no exterior’. Em sentido figurado, assinala a exclusão (‘exceto’) e a carência ou falta (‘sem’). No latim tardio, competiam com extra, as preposições foras e foris, porém apenas na acepção local.
Nos Gregorii Magni Dialogi Libri IV, a forma latina extra é empregada como preposição, enquanto, na versão portuguesa, ela corresponde às preposições ante, na acepção de ‘espaço: diante de’ e de, na acepção de ‘espaço: afastamento (para fora
de)’ e pela locução prepositiva fora de, na acepção de ‘espaço: direção (fora de)’ e ‘noção: modo’, como nos exemplos abaixo:
(6) [...] omnipotenti Domino ab ipso infantiae tempore dicata, ad eum semel per
annum venire consueverat; ad quam vir Dei non longe extra ianuam in possessione
monasterii discendebat (2, 125, 18-20)
[...] cada ano viinha veer seu irmão hua vez e seu irmão saia a ela a huu logar da
clastra, a huum logar honesto que avia ant’a porta do moesteiro en que falava con ela
(2, 33, 6)
(7) Duobus modis [...] extra nos ducimur (2, 82, 17)
En duas maneiras [...] saimos nós de nós meesmos. (2, 3, 42)
(8) [...] eiusque mentem in extasi rapuit, extra se quidem, sed super semetipsum fuit
(2, 82, 21-23)
E estes taaes como quer que anden fora de si meesmos pero non caen sô si (2, 3,
45).
Em latim clássico, extra também era empregada como prefixo, como se vê, por exemplo, nos vocábulos extraordinarius, extramundanus, entre outros.
Em português, extra mantém-se apenas como prefixo que, conforme A. G. Cunha (1991: s.v. extra), se documenta em inúmeros vocábulos eruditos ou semi-eruditos, como extraordinário, extrapolação etc. Em português atual, há grande vitalidade de extra em formações populares, particularmente, com a acepção de ‘muito bom’, ‘de muito boa qualidade’ e, como vocábulo independente, substantivado, em contextos específicos, como: ‘serviço avulso e/ou fora do horário normal de trabalho’, ‘ator figurante’ etc.
No que se refere à gramaticalização das preposições desse grupo, conclui-se que:
- após um longo período de coexistência das formas ab, ex e de para indicar o ‘afastamento’ e a ‘procedência’, na passagem para o português, emprega-se apenas a preposição de, que, como já se observou, acaba por eliminar as duas outras; assim sendo, ex e ab chegam ao estágio zero do processo de gramaticalização, sendo expressos seus conceitos através da preposição de ou de locuções prepositivas, como: do interior de, das proximidades de, entre outras;
- a preposição latina extra provém da recategorização do advérbio extra; na passagem para o português, essa preposição também desaparece, mas seu conceito é expresso, ou através do uso das preposições ante e de, ou através do uso de locução prepositiva (fora de); observa-se, portanto, com o desaparecimento de extra, a ocorrência do estágio zero do processo de gramaticalização; ao ser empregada a locução prepositiva, para expressar o seu conceito, vê-se, como explica S. Svorou (1993), o estágio inicial do processo de gramaticalização.
No que diz respeito à significação, os prefixos desse grupo, na maioria das vezes, mantêm o sentido de base latina: ab conserva a acepção de 'afastamento’, ex de ‘afastamento com movimento de dentro para fora’ e extra de ‘fora’, ‘no exterior de’. Entretanto, em português, extra apresenta como inovação a acepção de ‘muito bom’, ‘de muito boa qualidade’.
Como se pode observar, as preposições desse grupo, na sua transposição para o português, passaram por alguns processos de gramaticalização, chegando ao estágio zero como preposição e passando a afixos na língua portuguesa.
2. 2 Forma que começou a ser usada como prefixo no latim tardio
No segundo sub-grupo, está a forma intra, que passou a ser empregada como prefixo no latim tardio.
Como assinala W. Lindsay (1937: 151), intra é proveniente do ablativo singular feminino, tendo a mesma formação que inter.
M. Bassols de Climent (1956: 245) observa que intra é empregada com verbos de repouso (‘no interior de’, ‘dentro’) e, com menos freqüência, no período pós-clássico, com verbos de movimento. Intra pode referir-se ao tempo ‘no intervalo de’, ‘durante’. Em sentido figurado, usa-se, a partir da época clássica, para indicar conformidade ‘dentro’, ‘segundo’, ‘conforme’. No período pós-clássico, intra expressa, às vezes, a inferioridade ‘um pouco menos’, ‘debaixo de’ e inclusive a carência ‘sem’ ou a exceção ‘exceto’.
Nos Diálogos de São Gregório, a preposição latina intra é sempre empregada na acepção espacial de ‘no interior de’, correspondendo à preposição en, como nos exemplos a seguir:
(9) [...] quae statim ad viri Dei verbum ita omnes egressae sunt, ut ne una quidem intra
spatium horti remanerit (1, 56, 16-18)
E todos aqueles beschos que na horta andavan [...] partiron-se do horto e nunca ende hi
huu ficou [...] (1, 21, 6).
Conforme assinala A. G. Cunha (1991: s.v. intra), o prefixo intra não se documenta como elemento de composição no latim clássico, mas no latim tardio e modernamente é de grande emprego na formação de compostos, particularmente, no campo da Biologia (intramedular, intramuscular, intravenoso), onde é naturalmente usado em oposição a extra.
No que concerne à gramaticalização, pode-se dizer que intra, ao desaparecer como preposição em português, chegou ao estágio zero, sendo, entretanto, empregada como prefixo, tanto no latim tardio como no português.
Quanto à significação, o prefixo intra conserva o sentido de base da preposição latina intra ‘no interior de’, ‘dentro’, ‘durante’, ‘segundo’.
2. 3 Formas que se tornaram prefixos no português
No terceiro sub-grupo, estão as preposições juxta e ultra, que se tornaram prefixos no português.
2. 3. 1 A preposição juxta
A forma latina juxta, conforme assinala Magnien (1948: 499), inicialmente advérbio, é empregada como preposição a partir de César e provém de *jugista, antigo superlativo ablativo feminino. W. Lindsay (1937: 151) observa que juxta vem de uma raiz juxto-, relacionada com jungo e significando ‘acrescentar’, ‘juntar’. Segundo esse autor, a forma secundária de acusativo plural neutro juxta aparece em Catullo.
O. Riemann (1942: 180) afirma que juxta, sendo empregada, inicialmente, na acepção de ‘ao lado de’, sem movimento, passou depois ao sentido temporal de ‘imediatamente depois’ e ao sentido figurado de semelhança ‘quase igual a’ e conformidade ‘conforme’. M. Bassols de Climent (1956: 246), além de apontar as acepções dadas por O. Riemann (1942), acrescenta que esse último uso é pós-clássico.
Nos Diálogos de São Gregório, a preposição juxta está documentada, na maioria das vezes, nos sentidos espaciais de ‘diante de’, tendo como correspondência a preposição portuguesa ante, de ‘perto de’, correspondendo às locuções prepositivas cabo de e arredor de e de ‘localização’, equivalendo à preposição portuguesa en. Juxta também foi empregada na acepção abstrata de ‘meio’, correspondendo a con, sendo algumas dessas acepções exemplificadas abaixo: (10) [...] hunc invitavit hospitio, sedere secum iuxta prunas (1, 60, 23-24)
[...] e convidô-o pera sa pousada e feze-o seer consigo ante o fogo (1, 25, 7)
(11) [...] iuxta eam namque civitatem aecclesia Beati martyris Stephani sita est (1, 39, 9-10)
Cabo da cidade d’Anconha ouve hua eigreja de Santo Stevan martir (1, 10, 4).
A preposição latina juxta desaparece na passagem para o português. Nessa língua, a forma justa- aparece como elemento composicional, do latim juxta (‘perto de’, ‘ao lado de’), que, segundo A G. Cunha (1991: s.v. justa), está documentado em
vocábulos portugueses eruditos, introduzidos a partir do século XIX: justafluvial (XX), justalinear (XX), justapor (XX), justaposto (XX) etc.
2. 3. 2 A preposição ultra
A preposição latina ultra ‘do outro lado’, segundo W. Lindsay (1937: 151), é derivada de uls, da raiz pronominal indo-européia ol-, do pronome ille ‘aquele’, latim arcaico olle, com o acréscimo do sufixo –tero.
Conforme salienta M. Bassols de Climent (1956: 251), usa-se ultra com verbos de movimento para indicar uma linha divisória ou fronteiriça que se traspassa (‘do outro lado’, ‘mais além’) ou com verbo de repouso para assinalar o que sucede atrás da referida linha. Autores pouco clássicos empregam-na, às vezes, em lugar de trans. Apenas no período pós-clássico, essa preposição é empregada com sentido temporal.
Nos Diálogos de São Gregório, a preposição latina ultra corresponde à locução prepositiva portuguesa fora de, como se vê no exemplo seguinte:
(12) [...] susceptum corpus eius terratenuit, nec ultra proiecit (2, 116, 23-24)
[...]a terra recebeu o corpo do morto e reteve-o en si e non-no deitou fora de si (2, 24, 9).
Em português, ultra é elemento composicional do latim ultra ‘para além de’, ‘em excesso’ que se documenta em alguns derivados e compostos introduzidos, como observa A. G. Cunha (1991: s.v. ultra), sobretudo, a partir do século XIX, na linguagem erudita, como: ultrajante (XIX), ultrajar (XVII), ultraje (XIX), ultramar (XVII), ultrapassado (XIX), ultrapassagem (XX), ultrapassar (XIX), ultra-romântico (XX), ultra-sensível (XX), ultra-som (XX), ultravioleta (XIX) etc.
No que se refere às preposições desse grupo, ambas desapareceram no português, chegando, portanto, ao estágio zero de gramaticalização. Entretanto, essas formas são usadas na língua portuguesa como prefixos.
No que concerne à significação dos prefixos desse grupo, observa-se que, no português, eles mantêm o sentido das preposições latinas que lhes serviram de base: juxta, em latim, com a acepção de ‘ao lado de’, ‘logo depois’ e justa-, em português, ‘perto de’, ‘ao lado de’; ultra, em latim, com a acepção de ‘do outro lado’, ‘mais além’ e ultra-, em português, ‘para além de’, ‘mais além’. Entretanto, o prefixo ultra- possui ainda um valor de intensificação (ultravácuo, ultra-radiação).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MACHADO, J. P. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 3. ed. Lisboa: Confluência, 1977.
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SVOROU, S. The grammar of space. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 1993.
Os emergentes do idioma


Fenômenos como a conjunção adversativa "só que" mostram que, no idioma, a necessidade de bem comunicar o que se deseja cria suas estruturas gramaticais

Alex Sander Alcântara



Das ruas para o sistema da língua: necessidade comunicativa faz com que expressões e palavras assumam funções gramaticais

Emergente é conceito elástico. Em sociedade, é sinônimo de novo-rico. Em economia, batiza os países cuja explosão de desenvolvimento ainda não os levou ao primeiro escalão mundial.

Em gramática, há também os emergentes do idioma. São os recursos incorporados recentemente como gramaticais, sempre bom pretexto de desacordo entre especialistas.

Nem todo mundo está de antemão disposto a aceitar que uma novidade das ruas pode ter entrado no idioma para ficar. Mas, quanto mais os falantes sentem necessidade comunicativa, sistemática, de usar uma construção, uma estrutura de frase, uma locução ou palavra, mais ela tende a integrar o sistema da língua.

A emergência de uma categoria gramatical ocorre quando elementos lingüísticos adquirem novas propriedades, e se tornam membros de uma nova categoria. É quando palavras e construções de frase passam a assumir funções relativas à organização interna do discurso ou a estratégias comunicativas. O bate-boca vem de saber quando a freqüência de uso é tal que se atribui estatuto gramatical a construções e expressões usadas no cotidiano, em princípio, de forma acidental e independente.

Às vezes, uma mera locução leva à dúvida. É o caso de "só que", locução que emergiu na linguagem cotidiana com as características de conjunção.

Conjunções e disjunções



"Só que" promove uma quebra de expectativa e introduz a informação mais importante do enunciado SANDERLÉIA ROBERTA LONGHIN-THOMAZI UNESP (SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, SP)

As conjunções, a propósito, conectam orações, relacionando um termo a outro. Desempenham, principalmente, papel de ligação, mas são também responsáveis pela direção da argumentação do texto. Dão, muitas vezes, a impressão de serem estáveis e imutáveis. Algo, portanto, que se aprende de memória. Mas, no curso evolutivo das línguas, esses conectivos são palavras sujeitas a constante renovação.

Dito dessa forma, falar dessa classe gramatical parece simples. Outros processos, contudo, podem interferir na função desempenhada pelas conjunções. Algumas palavras podem assumir de empréstimo, na comunicação diária, o papel exercido por elas.

Parece ser o caso da polivalente perífrase (locução com duas ou três palavras) "só que". Ela vem se cristalizando na língua como conjunção coordenativa adversativa, com valor de "mas", observa Sanderléia Roberta Longhin-Thomazi, professora do Departamento de Estudos Lingüísticos e Literários da Unesp, em São José do Rio Preto (SP).

Na tese de doutorado A Gramaticalização da Perífrase Conjuncional 'Só Que', defendida em 2003 na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ela descreveu e analisou o comportamento lingüístico dessa expressão.

- Restringi os exemplos da escrita aos textos de revista. O fato de ser usado na escrita mostra que o termo tem aceitação social - explica.

Variáveis


No sentido em que aparece, a perífrase "só que" é na verdade um advérbio, com valor de "ainda" EVANILDO BECHARA, GRAMÁTICO, MEMBRO DA ABL

Nas amostras coletadas, a perífrase "só que", segundo a pesquisadora, funciona como conjunção de natureza coordenativa, que tem a propriedade de estabelecer "um tipo particular de contraste". Especificamente, é conjunção coordenativa adversativa:

"Rodolfo, ex-Raimundos, continua a fazer rock pesado. Só que com letras cheias de mensagens religiosas."

Para Sanderléia, a característica do "só que" de apresentar-se como conjunção adversativa é invariável nas amostras lingüísticas. A partícula estabelece sempre uma relação de contraste. O aspecto variável dessa conjunção é que ela pode apresentar cinco sentidos no discurso. Pode ser marcador de diferença, refutação, surpresa, contra-argumentação e não-satisfação.

- "Só que" promove uma quebra de expectativa e introduz a informação mais importante no enunciado - diz.

Gramaticalização

O fenômeno que explica o processo de mudança lingüís­tica sofrido pelo singelo "só que" - de criação anônima das ruas a integrante do sistema da língua usado por todos - é denominado "gramaticalização", lembra a pesquisadora. A mudança acarreta alteração na categoria da palavra, num fenômeno similar ao que ocorreu com "gente". Em "A gente não consegue entender o tema", "gente" é substantivo que virou pronome (= nós). Ocorreu aí gramaticalização, exemplifica Sanderléia.

Na prática, gramaticalização é, no Dicionário Gramatical da Língua Portuguesa (1966), de Celso Luft, o processo em que palavras (nomes, verbos) se tornam instrumentos gramaticais ou elementos com significação interna em outras palavras (partículas, afixos, verbos de ligação, preposições, conjunções).

É assim que o substantivo latino mens, mentis (no ablativo "mente") virou, no português, um sufixo de advérbio de modo (em "suavemente", "docemente", etc.). Luft lembra que ocorreu o mesmo com o verbo "haver", que virou sufixo verbal ("cantarei" = cantar hei; "cantaria" = cantar hia) e "ter", hoje convertido em auxiliar de tempos compostos ("tenho escrito"). Os casos se colecionam. Verbos como "andar" viraram de ligação ("anda pensativo") e palavras assumiram função conectiva:

 "Salvo", particípio de salvar ("ele é cúmplice, salvo informação em contrário")
 "Mediante", do verbo mediar
 O número ordinal "segundo"
 "Visto" (do verbo ver)
 O substantivo "caso"

Na análise do gramático Evanildo Bechara, há de fato um processo de gramaticalização do "só que" em frases como a que cita Rodolfo, ex-integrante do grupo musical Raimundos. Mas, na sua avaliação, "só que" nunca poderá ser uma conjunção porque as conjunções representam uma parte da língua imutável.

- No sentido em que aparece, a perífrase "só que" é um advérbio, com valor de "ainda" - afirma Bechara.

Mutações orgânicas

Para o professor da USP, Ataliba de Castilho, o estudo sobre "só que" mostra a ampliação de conjunções no português brasileiro.

- A caminho da constituição de novas conjunções está o "acho que", já dito [áxki] - diz Ataliba.

Em Um Roteiro Funcional para o Estudo das Conjunções (Mimeo), citado por Sanderléia ao abordar a história das conjunções, Rodolfo Ilari adverte que as conjunções constituem classe de palavras heterogênea e difícil de reduzir a definição única.

Na mesma linha, o lingüista francês Antoine Meillet, lembra Sanderléia, abordou a origem e o desenvolvimento histórico das conjunções. Com base nisso, ele afirma que, embora as condições pareçam favorecer a estabilidade das conjunções no curso evolutivo das línguas, elas são palavras sujeitas à renovação e até ao desaparecimento.

- Os índios guaranis mais novos usam uma conjunção, que escrevem "xóqui", que é a expressão "só que" adaptada às suas necessidades. Não há em guarani uma conjunção adversativa como as que se desenvolveram nas línguas indo-européias. Eles normalmente apontam esse sentido apenas apondo as sentenças. Isso é um argumento a favor da gramaticalização dessa expressão no português, uma vez que até mesmo falantes do português como língua estrangeira se dão conta de sua cristalização - analisa Waldemar Ferreira Netto, professor de Filologia e Língua Portuguesa da USP.

Orações correlatas

Segundo Sanderléia, as línguas indo-européias têm conjunções muito diferentes, algumas de origem obscura. Já as românicas possuem conjunções que se originaram de palavras ou de construções que não tinham sequer a função de conjunção em latim.

A gramaticalização está por trás de outros fenômenos do idioma. Segundo o professor de Filologia e Língua Portuguesa da USP, Marcelo Módolo, que em 2004 defendeu a tese Gramaticalização das Conjunções Correlativas no Português, as orações não se relacionam só por coordenação e subordinação, como definem as gramáticas. Um terceiro tipo seria a "correlação", ou seja, as orações podem se ligar por meio de conjunções correlativas.

As correlatas, resume Módolo, andam aos pares:

"Não só Lula distribuiu Bolsa Família, mas também criou o Luz para Todos".

- As gramáticas do português costumam definir a coordenação como a relação sintática entre duas sentenças independentes e a subordinação como a relação em que uma sentença subordinada completa o sentido de uma outra, chamada matriz. Definições como essas são precárias, quando aplicadas à prática da análise. O mesmo acontece na classificação dos pares correlativos, que são classificados tradicionalmente entre as coordenadas e as subordinadas - questiona Módolo.

Proposta mais coerente, para o pesquisador, seria substituir a dicotomia "coordenação" e "subordinação" por um continuum, "como boa parte da literatura sobre combinação de orações tem proposto". Nesse sentido, a correlação seria uma etapa intermediária, recortando esse continuum e dividindo propriedades ora com as coordenadas, ora com as subordinadas.

Assim ocorre no período: "Ao obrigar a rede de 2º grau a preparar seus alunos para essas provas, a Unicamp deu contribuição decisiva não só para a renovação pedagógica nos bons colégios, mas também para a própria transformação dos livros didáticos".

Módolo diz haver nesse trecho uma correlata aditiva, conectando dois complementos nominais de contribuição.

- As correlatas exemplificam uma relação de interdependência, isto é, a estrutura das duas orações que se correlacionam está vinculada por expressões conectivas - explica o pesquisador.

Categorias de correlação



As gramáticas costumam definir a coordenação como a relação sintática entre duas sentenças independentes. Definições como essa são precárias, quando aplicadas à prática da análise MARCELO MÓDOLO, Filologia e Língua Portuguesa, USP

Em outras palavras, a conjunção "não só..." não faz sentido numa frase separada da conjunção "mas também". Módolo divide os pares correlativos em duas categorias.

 Correlatas espelhadas (com repetição da conjunção); e
 Correlatas não-espelhadas (com repetição de conjunções distintas).

Assim, considera que as orações coordenadas aditiva e alternativa com dois elementos conjuntivos são, na verdade, "correlata aditiva" e "alternativa". Igualmente, o fenômeno da correlação afeta as subordinadas adverbiais com dois elementos conjuntivos (comparativa, consecutiva, proporcional). Para Módolo, esses três tipos de orações são correlatas e não subordinadas, como nas gramáticas.

 Marilda socorreu a pobre família e ainda adotou as órfãs (coordenada aditiva)
 Não apenas Marilda socorreu a pobre família, mas também adotou as órfas (correlata aditiva)
 Não sei se vou a Londres ou a Lisboa (coordenada alternativa)
 Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil (correlata alternativa)
 Ele nos adula como um sevandija o faria (subordinada adverbial comparativa)
 Hoje tenho mais medo de economista do que de general (correlata comparativa)
 Fala que parece um papagaio. Almocei que foi uma delícia (subordinadas adverbiais consecutivas)
 Tanto fez, que aceitou o castigo (correlata consecutiva)

O fenômeno da gramaticalização indica capacidade de revitalização da linguagem cotidiana e de sua capacidade de fixar novas estruturas com função gramatical. Impõe escolha entre construções, entre elementos com maior ou menor regularidade de uso, a previsibilidade de ocorrência de fenômenos entre os falantes, a que todos tendem a recorrer quando se comunicam. A gramaticalização atesta, na prática, a insuficiência de registro das gramáticas, condenadas que estão a correr, sempre, atrás do prejuízo.

O passo-a-passo da gramaticalização


O processo de gramaticalização ocorre devido às necessidades de comunicação
O processo de gramaticalização ocorre devido às necessidades de comunicação de algum modo não satisfeitas pelas formas existentes no sistema do idioma e à existência de noções para as quais não há batismo lingüístico.

Uma variação no uso de uma expressão ocorre e, com ela, uma mudança de sentido provocada pela função que a expressão exerce num discurso.

Muitas vezes, novas formas que surgem no sistema lingüístico passam a coexistir com antigas. Estas não desaparecem de cara e passam a interagir com as emergentes.Em dado momento, a variedade de escolhas diminui e as formas selecionadas ganham corpo e significado no cotidiano dos falantes.

Até que uma expressão se gramaticalize, ela tende a ser usada com liberdade pelos falantes, sem uma função necessariamente específica. Até que ocorre uma diminuição de liberdade de manipulação e a expressão se integra a um paradigma, tornando-se cada vez mais obrigatória em determinadas situações comunicativas.

sábado, 28 de março de 2009

Ensino de Gramática nas Escolas
Por: Michele Tolentino

Autoras: Michele de Jesus P. Tolentino

Vanessa Assis Lima.

Orientadora: Marli Vieira Lins.

Faculdade Evangélica de Brasília.



Muito se tem questionado a respeito do ensino de gramática nas aulas de língua portuguesa, afinal a gramática deve ou não ser ensinada? Diante de uma nova metodologia, como seria a reação de professores e alunos?

Em vista disso, surge também outro questionamento, a cerca do ensino de língua portuguesa nas escolas, pois ao educador compete o ensino da gramática normativa para o cumprimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os quais servem de referência para o trabalho de todas as disciplinas nos três níveis para a formação escolar dos discentes. Observa-se uma grande dificuldade em relação à aprendizagem, por parte desses, de acordo com a norma culta imposta devido à cultura dos estudantes que, muitas vezes, é incompatível levando os mesmos a concluírem a vida escolar sem saberem ler e escrever adequadamente.

Cônscio dessa realidade, o professor de língua portuguesa, deverá dedicar-se em adotar novos recursos didáticos, a fim de garantir um ensino eficaz que leve o aluno a ter verdadeiramente uma aprendizagem significativa.

Não há dúvida de que deve ensinar a gramática normativa nas aulas de língua portuguesa, embora sabe-se perfeitamente que ela em si não ensina ninguém a falar, ler e escrever com precisão (Antunes, 2007 p. 53). O dever da escola é ensiná-la oferecendo condições ao aluno de adquirir competência para usá-la de acordo com a situação vivenciada. Não é com teoria gramatical que ela concretizará o seu objetivo, pois isto leva os estudantes ao desinteresse pelo estudo da língua, por não terem condições de entender o conteúdo ministrado em sala de aula, resultando assim frustrações, reprovações e recriminações que iniciam pela própria escola e o preconceito lingüístico.

É importante enfatizar que a assimilação crítica dos estudos lingüísticos e a necessidade de se estabelecer um maior contato do professor com a língua materna e a proposta da lingüística; valorizar a língua falada pelo aluno. Considerando que a gramática não deve ser tida como uma verdade única, absoluta e acabada antes, porém seus conceitos devem ser relativizados, para que alcance o educando do século XXI.

(BAGNO, 2000 p. 87) opina que: "A gramática deve conter uma boa quantidade de atividades de pesquisa, que possibilitem ao aluno a produção de seu próprio conhecimento lingüístico, como uma arma eficaz contra a reprodução irrefletida e acrítica da doutrina gramatical normativa".

Através desse conceito, Bagno afirma que a gramática em si não justifica seu papel de única fonte para o ensino da língua nas escolas, tanto do ponto de vista teórico quanto do prático, bem como o código normativo da linguagem, tomado no geral. Os gramáticos levam ao estágio da angústia os professores e os alunos, para o estudo gramatical em virtude das divergências entre os mesmos. Então o professor deve deixar de lado o comodismo e a repetição da doutrina gramatical e ser mais dinâmico ministrando o conteúdo de forma reflexiva em atividades contextualizadas, interdisciplinares, individuais ou coletivas de forma que o aluno passa a conhecer as variedades da língua através de pesquisas, as quais envolvam a leitura e produção textual, construindo seu próprio conhecimento lingüístico.

O ensino de gramática nas escolas, acontece de forma arcaica, devido à aplicação de métodos totalmente teóricos, sem nenhuma significação na vida dos alunos que, por sua vez, não conseguem estabelecer relação entre a teoria gramatical e a prática de texto.

A concepção de que língua e gramática são uma coisa só deriva do fato de, ingenuamente, se acreditar que a língua constituída de um único componente: a gramática. Por essa ótica, saber uma língua equivale a saber sua gramática; ou, por outro lado, saber a gramática de uma língua equivale a dominar totalmente essa língua. Na mesma linha de raciocínio, consolida-se a crença de que o estudo de uma língua é o estudo de sua gramática (p.39).

É importante ressaltar que o ensino de gramática, não deve ocorrer apenas para proteger ou conservar a composição da língua, mas para auxiliar o usuário e falante no conhecimento de sua própria língua materna, possibilitando-lhe as características essenciais que pertencem à sua cultura. Deve ser também, um ensino harmonioso na relação entre o ensino da gramática normativa e a contextualizada, sem descartar as nomenclaturas, terminologias e regras, as quais são fundamentais para o desenvolvimento social e cultural dos alunos.

Mediante a algumas situações ocorridas em sala de aula, relacionadas à aprendizagem, faz-se necessário algumas mudanças nos procedimentos adotados em relação ao ensino de língua portuguesa, pois sabe-se que os alunos pertencem a diferentes culturas e devem ser atendidos de acordo com suas necessidades, baseando-se em suas possibilidades de leitura e escrita levando em consideração o potencial gramatical que cada um tem ampliando, ou seja, enriquecendo o poder lingüístico através do ensino da gramática que tem por objetivo preparar o aluno para uma produção textual obedecendo à norma padrão.

Percebe-se que o ensino de língua portuguesa perpassa por muitas dificuldades, não apenas com a forma de ensinar a gramática, como também a maneira que o professor atua em sua prática, ou seja, além de fornecer aos alunos uma orientação válida para a prática de produção de textos respaldadas pelas regras gramaticais, então deve-se encontrar métodos dinâmicos e eficientes ao transmitir o conteúdo. Não há uma receita mágica nem respostas milagrosas, o que deve ser feito são novas práticas de ensino que vão propiciar ao corpo discente uma aprendizagem significativa.

Há várias maneiras para que ocorra mudanças no ensino tradicional, uma delas é o professor tornar-se o mediador do conhecimento ao aluno, fragmentando a distância entre o mesmo e o ensino de gramática, tornando-a prazerosa e não somente obrigatória. Pois, será realmente um professor, independentemente do conhecimento que possua se puder transmitir tais informações de forma interativa e criativa, estabelecendo a relação professor-aluno, acreditando sempre que o aluno é capaz de aprender e compreender a gramática. O aluno somente interioriza o conhecimento da estrutura gramatical, se ela for contextualizada em situações ou contextos comunicativos. O professor poderá utilizar recursos metodológicos, bem como, tecnológicos como cartazes, textos de embalagens, revistas, jornais, oficinas, carta comercial e pessoal, bilhete, romance, horóscopo, receita culinária, cardápio, outdoor, lista de compras, resenha, inquérito, edital de concurso, piada, carta eletrônica, bate-papo online, data show, dentre outros. É importante despertar nos alunos a consciência da funcionalidade da leitura e escrita, e isso só será possível quando os professores levarem em conta a bagagem que o aluno traz consigo, a respeito de sua língua materna. Dessa forma pode acontecer a união da norma culta e da norma coloquial sem criar traumas ou defasagens na aprendizagem dos alunos, basta que os educadores busquem a formação continuada, não apenas teórica, mas também na prática e no contexto da realidade em que ele está inserido, respeitando assim as diferenças.

Segundo VYGOTSKY (apud: www.ufsm.br/linguagem_e_cidadania/02_03/Liane.htm. Acesso em: 22/10/2008) "O estudo da gramática é de grande importância para o desenvolvimento mental da criança". A criança, embora domine a gramática de sua língua muito antes de entrar na escola, pois organiza sua fala de acordo com a necessidade, esse domínio é inconsciente, ou seja, mesmo usando o tempo verbal correto ao se expressar, não saberá rejeitar uma palavra quando isso lhe for solicitado. Em vista disso, o ensino de gramática torna-se válido não só porque permite à criança de estar consciente do que está fazendo, mas pode usar essas habilidades de forma precisa, além de permitir o uso da fala com maior eficácia.

O ensino de gramática deve-se iniciar nos primeiros anos de escolaridade, pois a criança desenvolve seu pensamento a partir das descobertas que vai surgindo pelos conteúdos aplicados sem sala de aula, os quais contribuem para o desenvolvimento da fala e escrita. A partir dessas descobertas conclui-se que todas as matérias básicas são estimuladas pelo psicológico ao longo de um processo ensino-aprendizagem. Isso ocorre de forma lenta, interativa, coletiva e contextualizada.

Ao ensinar a gramática, o professor deve levar em consideração algumas questões como: o estudo coletivo, a cooperação e a competição, os quais podem ajudar na aprendizagem no sentido de que as crianças com facilidade colaboram com as demais, também pode haver uma competição entre grupos, de forma em que um seja avaliado por outros, recebendo sugestões e reflexões para o próprio amadurecimento.

O ensino de gramática é importante tanto na escrita quanto na fala, até porque nós estamos inseridos em uma sociedade contemporânea, na qual nossa aprendizagem é medida para ingressarmos no mercado de trabalho por meio de concursos públicos que exigem dos concorrentes uma gramática contextualizada, que depende das regras da gramática normativa. As provas são elaboradas baseadas nos currículos escolares com propostas pedagógicas, onde a gramática normativa está inserida. Neste caso o aluno deve conhecer a estrutura, os usos e o funcionamento de uma língua nos seus diversos níveis: fonológico, morfológico, lexical e semântico. O professor de língua materna desde a alfabetização até o último ano escolar deve estar atento a estas informações realizando sua tarefa de educador com precisão e competência.

Diante do exposto, segue sugestão a ser trabalhada no ensino de língua portuguesa dentro da sala de aula, que poderá ser adaptada. O professor poderá trabalhar diversas áreas do conteúdo de língua portuguesa, como por exemplo, gramática, produção textual, e leitura de forma contextualizada e dinâmica. A função de jogos e aulas dinâmicas é exatamente para que o professor construa ferramentas, para que o aluno, através dessas aulas, construa sua visão de mundo.

O jogo chamado: "Produção textual a partir da história: A Bela e a Fera", lembrando que o professor poderá adaptá-lo e usar outras histórias, por exemplo: A pequena sereia; Rapunzel; Chapeuzinho vermelho; Pinóquio, dentre outras. A história deverá conter figuras, ilustrando os momentos, e o texto original, os quais estão anexos.

As regras do jogo deverão ser explicadas de modo que a turma compreenda, que são: O professor fará um breve comentário sobre a história, colhendo os conhecimentos prévios dos alunos; Então divide-se a turma em grupos, sendo que a quantidade de grupos fica a critério do professor, podendo ser desde quatro grupos, caso a turma seje pequena, ou em maior quantidade de grupos, caso a turma contenha um número grande de alunos, de modo que todos participem; Em seguida, distribue-se a história que estará recortada em figuras para que os alunos coloquem-as em sequência; Durante a montagem, o professor acompanhará, se a ordem da história estiver correta, tudo bem, se não, o professor orientará os grupos até que eles consigam organizá-las de forma correta, não falando que está incorreto e sim dando pistas, instigando o aluno a refletir sobre o que foi dito durante a exposição inicial do professor; Montada a historinha, o professor pedirá que os alunos leiam o texto original da historinha e, em seguida, que cada um crie sua própria história, podendo mudá-la, e, finalmente, na próxima aula o professor colocará o vídeo da história.

Os conhecimentos na área da lingüística ocorrem durante todo o processo escolar, pois o ensino gramatical se repete em todos os anos escolares, numa prática diária em sala de aula, numa interação formal e contextualizada, na oralidade e na escrita.

Nesse contexto, pode-se afirmar que o ensino da gramática é importante, pois a mesma oferece condições para o aluno ampliar seu discurso lingüístico em relação ao funcionamento da língua padrão, através do conhecimento de regras gramaticais trabalhadas em atividades aplicadas pelos professores que demonstram as variedades lingüísticas levando o aluno a entender a estrutura, o uso e o funcionamento da língua materna.

Para a produção textual é importante primeiramente, que o aluno tenha ampla visão de mundo, caso essa não seja a realidade do mesmo, é imprescindível que o professor aborde o assunto determinado em sala de aula, através de debates e pesquisas, para que o aluno construa seu próprio conhecimento de forma crítica e reflexiva. A partir de então, aplica-se o conhecimento das normas gramaticais, que ajudará ao aluno na estruturação de seu texto, pois para escrever bem é necessário o uso adequado das palavras que dão uma seqüência lógica e coesa ao texto.

O que falta no ensino da gramática, de acordo com a didática é a aplicabilidade, pois quando aprende-se algo que serve de uso em nossas vidas, certamente ficará guardado dentro de nós, de maneira tal que não esqueceremos. Acredita-se que há possibilidade da gramática condizer com a nossa realidade, utilizando a própria fala dos alunos para por isso em prática, por exemplo, quando um aluno expressa algo comum na fala de sua comunidade como os regionalismos e os neologismos, pode-se aproveitar a oportunidade e intervir nessa fala, mostrando que, muitas vezes, há várias formas de dizer a mesma palavra, que a Lingüística explica todas essas variações e posteriormente demonstrar como a gramática normativa usa essa palavra. Outro ponto que falta no ensino de gramática é acabar com certas "decorebas", muitas vezes, aprende na escola que os verbos: ser, estar, continuar, parecer, permanecer, dentro outros, sempre serão verbos de ligação, e ao chegar à faculdade leva-se um choque ao se deparar que depende do contexto do texto ou da frase para esse verbo ser realmente de ligação.

Sabe-se que ser professor é uma profissão importantíssima e mesmo com tantos problemas encarados por estes profissionais, é possível ainda sonhar em mudar o ensino da nossa língua de uma forma a que todos venham aprender e a valorizá-la, não é um caminho fácil, não obstante também não é impossível, mas falta aplicar à prática o que nossa professora comenta em muitas de nossas aulas de Gramática, Descrição e Uso: está na hora de arregaçarmos as mangas em prol de um ensino de qualidade.

Referências

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http:// www.ufsm.br/linguagem_e_cidadania/02_03/Liane.htm. Acesso em: 22/10/2008)

BAGNO, Marcos. Dramática da Língua Portuguesa. São Paulo, Ed. Loyola, 2000.

A partir desse conceito, não existe relação entre a teoria gramatical e a prática de texto, porque para muitos estudar a língua se generaliza em estudar a gramática normativa. Por isso, existem tantas dificuldades nos alunos em elaborar um texto, pois a gramática é estudada de forma separada, isto é, não entra em consenso com as outras interações da língua, como a própria prática de produção textual, leitura, dentre outros. Para que haja um ensino de qualidade, faz-se necessário que o estudo da gramática vá de encontro à vida do aluno, a isto conceitua-se aplicabilidade.

Segundo Antunes (2007):: gramática, escola, ensino, metodologia, reflexão.: O principal objetivo desse artigo é estabelecer uma reflexão a cerca do ensino de gramática nas escolas, diante de uma nova metodologia adotada pelo professor, a fim de proporcionar aos discentes um ensino eficaz. Visto que o ensino da gramática depende da relação professo-aluno, da formação teórica e prática de sala de aula.
A GRAMÁTICA E O ENSINO DO PORTUGUÊS




J. M. dos Santos
Professor de Língua Portuguesa CEULJI-RO
jomar@ulbrajp.com.br

O uso da gramática no ensino do Português nas escolas, em geral, vem gerando acirradas polêmicas ao longo dos anos. Esse fato é atribuído ao silêncio dos gramáticos diante das críticas fundamentadas dos lingüistas, relativas às falhas existentes no ensino do português, visto que eles procuram valorizar o ensino gramatical em detrimento do texto, numa concepção de que o conhecimento de conceitos e regras teóricas levam ao domínio da linguagem, mas o que observamos é exatamente o inverso. Pretendemos, assim,à luz da razão, mostrar as incoerências gramaticais quanto ao ensino posto em prática, em nossas escolas, em virtude de uma visão distorcida quanto ao que vem a ser norma padrão.

O nosso sistema educacional tem sido alvo de críticas há algumas décadas, pois o Ensino Fundamental, alicerce falido em que se apóia o Ensino Médio, está mergulhado na plenitude da ignorância das autoridades educacionais e com ele o próprio Ensino Médio. Diante desse quadro caótico, a esperança de nossos educadores, sequiosos por mudanças que efetivamente justifiquem aquilo de que tanto se tem falado nos meios educacionais – qualidade total - esvai-se, dando espaço à desilusão que os prostra por duas razões - promessas vãs e a continuidade do descaso para com a educação. Isso tem contribuído para o fracasso do próprio sistema e desespero dos que objetivam formar alunos críticos, donos de seu próprio discurso e futuros componentes de uma sociedade mais justa e humana. Assim, diante desse quadro crítico, é difícil ensinar português para falantes do português, por se tornar tarefa angustiante para qualquer professor em face das inúmeras divergências de gramáticos radicais, que não aceitam as variedades dialetais empregadas pelos alunos na comunicacão, observadas na prática pedagógica, fruto de currículos dissonantes com a realidade lingüística do nosso país, pois se ensina a língua pátria como sendo um corpo único, homogêneo, imutável.

Analisando essas incoerências, vejamos como BECHARA (1982:199) conceitua período: “Chama-se período o conjunto oracional cuja enunciação termina por silêncio ou pausa mais apreciável, indicada normalmente na escrita por ponto.”

Notando a falta de clareza, redime-se no parágrafo seguinte, dizendo ser período simples o constituído por uma só oração. O que se entende por conjunto oracional? é a reunião das partes que constituem um todo. Confrontando Bechara com ANDRÉ (1997:274), nota-se uma semelhança entre ambos parecendo-nos este mais conflitante em relação àquele, ao dizer que “Período é o enunciado que se constitui de duas ou mais orações.”

Como pode o aluno assimilar esses conceitos falaciosos e que procedimento tomará ao enfrentar concursos públicos, em especial o Vestibular? Se nós, professores, não fizermos uma avaliação prévia do livro didático, antes de adotá-lo, estaremos nos acomodando funcionalmente e permitindo ao aluno acreditar cegamente em tudo quanto o livro contiver. Essas aberrações não param por aqui. Ao perceber esse “festival”, o estudante volta-se para o lado crítico, inquirindo o professor para explicar esses absurdos. Ás vezes, o professor é tão radical quanto o gramático e não aceita a participação do discente, pois também não domina a GN, classificando-o como perturbador ou gracejador. Essa postura do docente compromete o rendimento da aprendizagem, deixando seqüelas no discente a ponto de se incompatibilizar com a matéria e também com o professor. Assim, transmite-se essa visão distorcida sobre o ensino da língua como sendo o “decoreba” de uma infinidade de regras e de exceções, complicando mais a vida do aluno, principalmente daquele oriundo de camada social menos privilegiada.

O que se vê dentro de sala de aula é tentar-se anular diversidades lingüísticas que expressam diferenças e conflitos existentes entre grupos etários e étnicos e, sobremaneira, entre classes sociais. A esse respeito BOGO (1988:11) diz que a gramática tem sido o objeto do ensino de português no Brasil e não a língua, como deveria ser. Em conseqüência, estão sendo transmitidos aos alunos do Ensino Fundamental e do Médio conceitos lingüísticos falhos. Refletindo sobre esse ensino posto em prática pelas escolas públicas e particulares, verifica-se uma prática lastimável que é encher a cabeça do estudante com algo inútil, confuso, incompleto – o conhecimento teórico não contribui significativamente para o domínio da língua. Considerando a inutilidade desse conhecimento imposto ao aluno como um verdadeiro crime GERALDI (1987:21) afirma que: “O ensino da língua foi desviado para o ensino da teoria gramatical.”

Ora, se a função básica da escola é o ensino da língua padrão, não é com teoria gramatical que ela concretizará seu objetivo. Esses contrastes levam o estudante ao desinteresse pelo estudo da língua, pois quando pensa haver entendido conteúdo trabalhado em sala de aula, amargura-se ao se deparar com determinadas construções, pois não consegue entender o enunciado, daí resultam as frustrações, reprovações, recriminações que começam pela própria escola e o preconceito lingüístico de que não sabe português. Isso é o resultado de um ensino centrado na Gramática Tradicional – o conhecimento se esvai por falta de sustentação científica; é como caminhar por sobre o lodo; não há firmeza nos passos dados e a queda é inevitável. Toda essa parafernália gramatical tradicional é fruto de uma preocupação da escola em mostrar ao estudante a língua considerada padrão pela elite cultural que insiste em se pautar por modelos clássicos do século III aC. Sabe-se que, através da história, a cidade de Alessandria, no Egito, foi considerada, naquela época, importante centro da cultura grega.

Assim, a grande literatura clássica da Grécia despertou o interesse dos estudiosos desse campo, pois estavam preocupados na preservação da pureza da língua grega. Dessa forma nasceu a gramática que em grego significa “a arte de escrever. Como podemos observar, as regras gramaticais foram criadas voltadas para o uso literário dos considerados grandes escritores do passado, recebendo o nome de Gramática Tradicional. Analisando esses fenômenos lingüísticos, John Lyons afirma que elas resultaram em dois equívocos fatais: o primeiro, consiste em separar rigidamente a língua escrita da falada; o segundo, na forma de encarar a mudança das línguas que eles acreditavam ser uma “corrupção”, “decadência”, também concebida por muita gente até hoje. Em função desses equívocos, formou-se o “erro clássico” no estudo da linguagem que, apesar de dois milênios de reinado, só foi enxergado no final do século XIX e no início do XX com o surgimento da Lingüística. Logo, enquanto não houver uma proposta pedagógica capaz de eliminar esses equívocos ocorridos no ensino da língua e uma mudança substancial das motivações ideológicas que sustentam esse ensino mutilado, castrador, a gramática tradicional permanecerá como alvo crítico preferido, embora se reconheça ser ela o principal ponto de referência para o Ensino Fundamental e o Médio, face se constituir num indicador de problemas conceituais teóricos e prático já focalizados pelos lingüistas como uma contribuição no estudo da linguagem.

Tudo isso resulta na submissão da língua à gramática. Como? Com o passar dos séculos, a Gramática Tradicional mudou de roupagem, mas o conteúdo continuou o mesmo, isto é, passou a ser denominada de Gramática Normativa. Assim, a GT transformou-se numa ferramenta ideológica e as gramáticas escritas para descrever e fixar como regras e padrões as manifestações lingüísticas usadas espontaneamente pelos escritores considerados dignos de admiração, modelos a serem imitados. Com a instrumentalização da Gramática Normativa em mecanismo ideológico de poder e de controle de uma camada social sobre as demais, formou-se essa “falsa consciência” coletiva de que os usuários de uma língua necessitam da Gramática Normativa como se ela fosse uma espécie de fonte mística da qual emana a língua “pura”. Foi assim que a língua subordinou-se à gramática, segundo Bagno, (2000:87).

Finalmente, devemos ou não utilizar a gramática no ensino do português? Não há dúvida que sim, embora saibamos perfeitamente que ela em si não ensina ninguém a falar, contudo ajuda na medida em que saibamos separar o útil do inútil. Bagno é de opinião que a gramática deve conter uma boa quantidade de atividades de pesquisa, que possibilitem ao aluno a produção de seu próprio conhecimento lingüístico, como uma arma eficaz contra a reprodução irrefletida e acrítica da doutrina gramatical normativa. Isso levaria o professor de português a sair do seu comodismo, a ser dinâmico, deixando de ser apenas um repetidor da doutrina gramatical normativista que ele mesmo não domina integralmente. Portanto a importância da gramática está na competência do professor ao trabalhá-la em sala de aula, não priorizando conceitos e nomenclaturas para que o aluno possa ter liberdade de pensamento e de expressão verbal.

À vista das considerações feitas, conclui-se que a gramática não justifica seu papel de única fonte para o ensino da língua nas escolas, tanto do ponto de vista teórico quanto prático, bem como o título de código normativo da linguagem tomada no geral. Os gramáticos levam ao último estágio do desespero tanto o professor quanto o estudante no estudo gramatical em virtude das divergências existentes entre eles. Assim, no momento em que o aluno entender que as regras da norma culta são variáveis e que o emprego de uma forma pode ser normal numa modalidade lingüística, raro em outra e inexistente numa terceira, o seu rendimento escolar será mais eficiente. Também é necessário que gramáticos e lingüistas formem uma verdadeira simbiose, para que haja espaço dentro de sala de aula para o ensino de “gramáticas” e que a elite cultural se conscientize de que houve mudanças profundas na língua padrão concebida pela GT e que no Brasil já não se fala o português de Portugal, e sim, o português brasileiro. Aí não tenhamos dúvida quanto à extinção da discriminação rígida que a escola põe em prática.


BIBLIOGRAFIA
GERALDI, J.W. O texto na sala de aula. Cascavel, Assoeste, 1987.
ANDRÉ, H.A. Gramática Ilustrada. São Paulo, Moderna, 1997.
BECHARA, E. Moderna Gramática Portuguesa. São Paulo, Nacional, 1982.
BAGNO, M. Dramática da Língua Portuguesa. São Paulo, Edições Loyola, 2000.
BOGO, O. Gramática: Leitura Crítica. Curitiba, HDV, 1988.
Aula de Português

Carlos Drummond de Andrade

A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender

A linguagem
na superfície estrelada de estrelas,
sabe lá o que ela quer dizer?

Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.

Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.