sábado, 28 de março de 2009

A GRAMÁTICA E O ENSINO DO PORTUGUÊS




J. M. dos Santos
Professor de Língua Portuguesa CEULJI-RO
jomar@ulbrajp.com.br

O uso da gramática no ensino do Português nas escolas, em geral, vem gerando acirradas polêmicas ao longo dos anos. Esse fato é atribuído ao silêncio dos gramáticos diante das críticas fundamentadas dos lingüistas, relativas às falhas existentes no ensino do português, visto que eles procuram valorizar o ensino gramatical em detrimento do texto, numa concepção de que o conhecimento de conceitos e regras teóricas levam ao domínio da linguagem, mas o que observamos é exatamente o inverso. Pretendemos, assim,à luz da razão, mostrar as incoerências gramaticais quanto ao ensino posto em prática, em nossas escolas, em virtude de uma visão distorcida quanto ao que vem a ser norma padrão.

O nosso sistema educacional tem sido alvo de críticas há algumas décadas, pois o Ensino Fundamental, alicerce falido em que se apóia o Ensino Médio, está mergulhado na plenitude da ignorância das autoridades educacionais e com ele o próprio Ensino Médio. Diante desse quadro caótico, a esperança de nossos educadores, sequiosos por mudanças que efetivamente justifiquem aquilo de que tanto se tem falado nos meios educacionais – qualidade total - esvai-se, dando espaço à desilusão que os prostra por duas razões - promessas vãs e a continuidade do descaso para com a educação. Isso tem contribuído para o fracasso do próprio sistema e desespero dos que objetivam formar alunos críticos, donos de seu próprio discurso e futuros componentes de uma sociedade mais justa e humana. Assim, diante desse quadro crítico, é difícil ensinar português para falantes do português, por se tornar tarefa angustiante para qualquer professor em face das inúmeras divergências de gramáticos radicais, que não aceitam as variedades dialetais empregadas pelos alunos na comunicacão, observadas na prática pedagógica, fruto de currículos dissonantes com a realidade lingüística do nosso país, pois se ensina a língua pátria como sendo um corpo único, homogêneo, imutável.

Analisando essas incoerências, vejamos como BECHARA (1982:199) conceitua período: “Chama-se período o conjunto oracional cuja enunciação termina por silêncio ou pausa mais apreciável, indicada normalmente na escrita por ponto.”

Notando a falta de clareza, redime-se no parágrafo seguinte, dizendo ser período simples o constituído por uma só oração. O que se entende por conjunto oracional? é a reunião das partes que constituem um todo. Confrontando Bechara com ANDRÉ (1997:274), nota-se uma semelhança entre ambos parecendo-nos este mais conflitante em relação àquele, ao dizer que “Período é o enunciado que se constitui de duas ou mais orações.”

Como pode o aluno assimilar esses conceitos falaciosos e que procedimento tomará ao enfrentar concursos públicos, em especial o Vestibular? Se nós, professores, não fizermos uma avaliação prévia do livro didático, antes de adotá-lo, estaremos nos acomodando funcionalmente e permitindo ao aluno acreditar cegamente em tudo quanto o livro contiver. Essas aberrações não param por aqui. Ao perceber esse “festival”, o estudante volta-se para o lado crítico, inquirindo o professor para explicar esses absurdos. Ás vezes, o professor é tão radical quanto o gramático e não aceita a participação do discente, pois também não domina a GN, classificando-o como perturbador ou gracejador. Essa postura do docente compromete o rendimento da aprendizagem, deixando seqüelas no discente a ponto de se incompatibilizar com a matéria e também com o professor. Assim, transmite-se essa visão distorcida sobre o ensino da língua como sendo o “decoreba” de uma infinidade de regras e de exceções, complicando mais a vida do aluno, principalmente daquele oriundo de camada social menos privilegiada.

O que se vê dentro de sala de aula é tentar-se anular diversidades lingüísticas que expressam diferenças e conflitos existentes entre grupos etários e étnicos e, sobremaneira, entre classes sociais. A esse respeito BOGO (1988:11) diz que a gramática tem sido o objeto do ensino de português no Brasil e não a língua, como deveria ser. Em conseqüência, estão sendo transmitidos aos alunos do Ensino Fundamental e do Médio conceitos lingüísticos falhos. Refletindo sobre esse ensino posto em prática pelas escolas públicas e particulares, verifica-se uma prática lastimável que é encher a cabeça do estudante com algo inútil, confuso, incompleto – o conhecimento teórico não contribui significativamente para o domínio da língua. Considerando a inutilidade desse conhecimento imposto ao aluno como um verdadeiro crime GERALDI (1987:21) afirma que: “O ensino da língua foi desviado para o ensino da teoria gramatical.”

Ora, se a função básica da escola é o ensino da língua padrão, não é com teoria gramatical que ela concretizará seu objetivo. Esses contrastes levam o estudante ao desinteresse pelo estudo da língua, pois quando pensa haver entendido conteúdo trabalhado em sala de aula, amargura-se ao se deparar com determinadas construções, pois não consegue entender o enunciado, daí resultam as frustrações, reprovações, recriminações que começam pela própria escola e o preconceito lingüístico de que não sabe português. Isso é o resultado de um ensino centrado na Gramática Tradicional – o conhecimento se esvai por falta de sustentação científica; é como caminhar por sobre o lodo; não há firmeza nos passos dados e a queda é inevitável. Toda essa parafernália gramatical tradicional é fruto de uma preocupação da escola em mostrar ao estudante a língua considerada padrão pela elite cultural que insiste em se pautar por modelos clássicos do século III aC. Sabe-se que, através da história, a cidade de Alessandria, no Egito, foi considerada, naquela época, importante centro da cultura grega.

Assim, a grande literatura clássica da Grécia despertou o interesse dos estudiosos desse campo, pois estavam preocupados na preservação da pureza da língua grega. Dessa forma nasceu a gramática que em grego significa “a arte de escrever. Como podemos observar, as regras gramaticais foram criadas voltadas para o uso literário dos considerados grandes escritores do passado, recebendo o nome de Gramática Tradicional. Analisando esses fenômenos lingüísticos, John Lyons afirma que elas resultaram em dois equívocos fatais: o primeiro, consiste em separar rigidamente a língua escrita da falada; o segundo, na forma de encarar a mudança das línguas que eles acreditavam ser uma “corrupção”, “decadência”, também concebida por muita gente até hoje. Em função desses equívocos, formou-se o “erro clássico” no estudo da linguagem que, apesar de dois milênios de reinado, só foi enxergado no final do século XIX e no início do XX com o surgimento da Lingüística. Logo, enquanto não houver uma proposta pedagógica capaz de eliminar esses equívocos ocorridos no ensino da língua e uma mudança substancial das motivações ideológicas que sustentam esse ensino mutilado, castrador, a gramática tradicional permanecerá como alvo crítico preferido, embora se reconheça ser ela o principal ponto de referência para o Ensino Fundamental e o Médio, face se constituir num indicador de problemas conceituais teóricos e prático já focalizados pelos lingüistas como uma contribuição no estudo da linguagem.

Tudo isso resulta na submissão da língua à gramática. Como? Com o passar dos séculos, a Gramática Tradicional mudou de roupagem, mas o conteúdo continuou o mesmo, isto é, passou a ser denominada de Gramática Normativa. Assim, a GT transformou-se numa ferramenta ideológica e as gramáticas escritas para descrever e fixar como regras e padrões as manifestações lingüísticas usadas espontaneamente pelos escritores considerados dignos de admiração, modelos a serem imitados. Com a instrumentalização da Gramática Normativa em mecanismo ideológico de poder e de controle de uma camada social sobre as demais, formou-se essa “falsa consciência” coletiva de que os usuários de uma língua necessitam da Gramática Normativa como se ela fosse uma espécie de fonte mística da qual emana a língua “pura”. Foi assim que a língua subordinou-se à gramática, segundo Bagno, (2000:87).

Finalmente, devemos ou não utilizar a gramática no ensino do português? Não há dúvida que sim, embora saibamos perfeitamente que ela em si não ensina ninguém a falar, contudo ajuda na medida em que saibamos separar o útil do inútil. Bagno é de opinião que a gramática deve conter uma boa quantidade de atividades de pesquisa, que possibilitem ao aluno a produção de seu próprio conhecimento lingüístico, como uma arma eficaz contra a reprodução irrefletida e acrítica da doutrina gramatical normativa. Isso levaria o professor de português a sair do seu comodismo, a ser dinâmico, deixando de ser apenas um repetidor da doutrina gramatical normativista que ele mesmo não domina integralmente. Portanto a importância da gramática está na competência do professor ao trabalhá-la em sala de aula, não priorizando conceitos e nomenclaturas para que o aluno possa ter liberdade de pensamento e de expressão verbal.

À vista das considerações feitas, conclui-se que a gramática não justifica seu papel de única fonte para o ensino da língua nas escolas, tanto do ponto de vista teórico quanto prático, bem como o título de código normativo da linguagem tomada no geral. Os gramáticos levam ao último estágio do desespero tanto o professor quanto o estudante no estudo gramatical em virtude das divergências existentes entre eles. Assim, no momento em que o aluno entender que as regras da norma culta são variáveis e que o emprego de uma forma pode ser normal numa modalidade lingüística, raro em outra e inexistente numa terceira, o seu rendimento escolar será mais eficiente. Também é necessário que gramáticos e lingüistas formem uma verdadeira simbiose, para que haja espaço dentro de sala de aula para o ensino de “gramáticas” e que a elite cultural se conscientize de que houve mudanças profundas na língua padrão concebida pela GT e que no Brasil já não se fala o português de Portugal, e sim, o português brasileiro. Aí não tenhamos dúvida quanto à extinção da discriminação rígida que a escola põe em prática.


BIBLIOGRAFIA
GERALDI, J.W. O texto na sala de aula. Cascavel, Assoeste, 1987.
ANDRÉ, H.A. Gramática Ilustrada. São Paulo, Moderna, 1997.
BECHARA, E. Moderna Gramática Portuguesa. São Paulo, Nacional, 1982.
BAGNO, M. Dramática da Língua Portuguesa. São Paulo, Edições Loyola, 2000.
BOGO, O. Gramática: Leitura Crítica. Curitiba, HDV, 1988.

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